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Fintechs, Canais e Produtos

Lucas Marcomini | Alfa Collab | Janeiro 2024

A história das Fintechs até agora foi de inovação em canais de venda e não de inovação em produtos. A próxima geração deve ser diferente.

O advento das fintechs trouxe ganhos inegáveis para todos com o aumento da concorrência, melhores experiências para os clientes e o avanço do uso de tecnologia no mercado financeiro como um todo.

Porém, até aqui a inovação trazida por esse movimento esteve concentrada nos canais de venda e distribuição de produtos e serviços financeiros. Diante desta afirmação, na cabeça de um profissional da tecnologia deve retornar certa contrariedade: “mas, o meu aplicativo, plataforma ou solução, ele é um produto!”. Sim, são produtos sob a ótica do setor de tecnologia. Por outro lado, pergunte a um executivo de banco se o aplicativo ou website da empresa é um produto novo, e ele provavelmente dirá que se trata apenas de um novo canal de vendas.

Ambas as visões estão certas, mas é importante apontarmos a distinção entre elas para que seja possível entendermos o cenário atual e falarmos a mesma língua.

A visão de tecnologia

Para empresas de tecnologia, muito baseadas na lógica de desenvolvimento de produtos ágeis, qualquer entregável tecnológico é parte do escopo de um produto. Desenvolver uma nova solução, uma nova feature ou qualquer item que possa ser entregue ao usuário, constitui uma atividade de desenvolvimento de produto (tecnológico), sendo indissociável do canal onde será consumido, seja ele uma interface ou uma API. Você pode até ter um canal dedicado para a aquisição dos serviços, como um site com a jornada para contratação de um software, por exemplo. Mas esse site segue a mesma lógica de desenvolvimento e manutenção, sendo tratado como um produto dentro da estrutura da organização.

Empresas de tecnologia têm como principal produto a tecnologia desenvolvida por elas, qualquer que seja a sua função para o cliente.

A visão do mercado financeiro

A estrutura tradicional do mercado financeiro, no entanto, trabalha com uma linha divisória bem demarcada em relação a produtos e canais. Mesmo as organizações que se modernizaram e hoje adotam a visão holística de produto de empresas de tecnologia – especialmente em suas áreas de TI e desenvolvimento – ainda trabalham com essa visão.

Já para uma empresa de serviços financeiros, um produto é algo que pode ser vendido ao cliente por meio de diversos canais de vendas. Uma conta corrente, por exemplo, é um produto que pode ser vendido por um gerente de agência (aqui podemos falar de diferentes segmentos: clientes pessoa física ou jurídica etc.), pelas plataformas digitais próprias, correspondentes bancários e outros terceiros. A partir desta venda, os canais são remunerados e cada produto terá suas condições de remuneração decorrentes de diversos fatores, como a estratégia da empresa ou a rentabilidade específica desse produto.

Muito da visão do mercado financeiro decorre dos produtos e serviços serem altamente regulados. Se você falar com alguém que trabalha com produtos em bancos essa pessoa certamente saberá mencionar a Resolução Instrução Normativa que rege as regras de cada produto.

Fintechs e inovação

Com mais de uma década desde o seu início, a revolução das fintechs trouxe mudanças radicais no mercado financeiro, mas deixou a estrutura e funcionamento dos produtos e serviços financeiros basicamente iguais.

Mesmo os principais casos de sucesso, Nubank, Celcoin, Ebanx e outros, trouxeram principalmente inovações na camada de canal. Os produtos propriamente bancários ainda são os mesmos, com alguma inovação em precificação, uso de dados e abstração de complexidades inerentes desses produtos.

Há dois fatores principais para isso, e nenhum deles é por culpa das fintechs:

  1. Produtos financeiros são regulados: A estrutura e funcionamento de uma conta corrente, um cartão de crédito ou uma aplicação em Renda Fixa são ditados no detalhe pelos órgãos reguladores, como Banco Central, CVM e Susep. O espaço para mudanças e inovação é muito limitado, e não sem riscos para a instituição que tentar realizar algo nesse sentido. Não a toa a principal inovação que tivemos de produto financeiros nos últimos anos foi o Pix, criado, estruturado, operado e tornado obrigatório aos principais bancos pelo Banco Central.
  2. Desenvolver novos produtos é complexo: Criar um produto traz diversas complicações:
  1. Enquadramento regulatório (tipo, risco envolvido etc.);
  2. Infraestrutura tecnológica e sistemas;
  3. Tratamento contábil;
  4. Tributação etc.

Apesar da boa vontade dos reguladores em promover a inovação em produtos os movimentos ainda são tímidos e dependem de grande esforço e coordenação com os diferentes participantes do mercado.

Os esforços mais promissores são as estruturas de sandbox regulatório desses órgãos, onde empresas podem levar propostas de novos produtos e soluções que não são abarcadas pela regulação atual e testá-las em pequena escala. Mas essas estruturas ainda são limitadas e as empresas que têm sucesso ainda enfrentam dificuldade em crescer pelas regras impostas. A necessidade de novos produtos financeiros é clara em um país onde ainda temos muitas pessoas sem acesso pleno aos seus potenciais benefícios, uma população endividada e convivendo com juros altíssimos. Observar os problemas que pessoas e empresas têm hoje, sejam eles estritamente financeiros ou não, pode gerar boas ideais de como a próxima geração de fintechs poderá impactar o mercado.

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