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Comunicação Interna para Assimilação da Inovação Aberta

Claudio Cardoso | Alfa Collab | setembro 2022

There is real magic in enthusiasm. It spells the difference between mediocrity and accomplishment.
Norman Vincent Peale

Diante de um cenário em que são cada vez mais recorrentes os casos de disrupções de mercados que levam ao desaparecimento de grandes organizações, a ambidestria, isto é, a capacidade de tocar simultaneamente as operações convencionais e investir seriamente em inovações, tornou-se qualidade vital para competir e sobreviver (O’REILLY III e TUSHMAN, 2004). Deste modo, a cultura organizacional pode promover ou impedir a ambidestria e suas disciplinas fundamentais subjacentes, tais como as práticas de ideação, co-criação, incubação, mentalidades de negócios exponenciais e de growth.

Curiosamente, a dificuldade de assimilação da cultura da inovação pelo público interno das organizações não difere muito do considerável esforço que a sociedade em geral envida para adotar inovações. Em seu célebre livro Diffusion of Innovations, lançado em 1962, Everett Rogers propõe quatro elementos principais de influência para que uma nova ideia seja assimilada: a qualidade da própria inovação, os canais de comunicação, o tempo e o sistema social. Todo o processo de difusão, segundo o autor, repousa sobre o capital humano: é ele quem determina o sucesso ou o fracasso da adoção das inovações, acima da própria inovação e dos seus benefícios.

Sua teoria busca explicar como, porque, e a que ritmo uma inovação é difundida e adotada nas mais diversas culturas. No livro, o autor argumenta que a difusão é o processo pelo qual as inovações são comunicadas por meio de certos canais, ao longo do tempo em um determinado sistema social. Esses argumentos, hoje amplamente aceitos, causaram estranheza à época do lançamento, uma vez que apontava para aspectos considerados irracionais na adoção de vantagens. Em muitas ocasiões, como Rogers pôde perceber de forma conclusiva em suas pesquisas em comunidades da América do Sul, ocorre uma recusa sistemática da incorporação de medidas claramente vantajosas.

Rogers (1962) identificou cinco aspectos que concorrem de forma importante para o sucesso ou o fracasso da difusão de inovações:

  1. A adoção de inovações não resulta apenas dos seus benefícios imediatos;
  2. Existe uma correlação direta entre a assimilação das inovações e quem as endereça. O prestígio do porta-voz conta muito, às vezes de forma decisiva;
  3. A adoção da inovação depende da capacidade de interpretação e do repertório intelectual para quem ela é endereçada;
  4. Também depende dos sistemas sociais de aprovação e de reconhecimento positivo dirigidos a quem a adota;
  5. Por fim, indivíduos e instituições realizam um balanço intuitivo entre custos e benefícios para a adoção.

O atual regime de acirrada competição em torno do tema inovação cria um grande desafio também para os profissionais responsáveis pela comunicação interna das organizações. Uma vez que a transformação de organizações tradicionais em empresas mais ágeis e inovadoras exige mudanças de mentalidade e adoção de novos comportamentos, líderes e demais funcionários podem, neste contexto, atuar tanto como facilitadores ou como verdadeiros obstáculos.

O fato é que várias empresas de grande porte não conseguem se adaptar, não por falta de recursos, mas porque seus processos bem assimilados e valores estabelecidos atrapalham o desenvolvimento de novas oportunidades que visam pequenos ganhos iniciais, com margens que podem ser consideradas irrelevantes. As sugestões de Rogers se verificam na prática em organizações altamente competitivas, não apenas naquelas comunidades pouco escolarizadas que o cientista analisou há quase 60 anos.

Adicionalmente, além da percepção, digamos, um tanto prepotente em relação às iniciativas emergentes, funcionários costumam ser cobrados, sob forte pressão, por resultados gerados pelos mesmos produtos e serviços que historicamente os trouxeram até o estado em que se encontram. Afinal, novos negócios, quando apenas nascem, costumam se apresentar de forma confusa e com aparência nem sempre tão atrativa. Inovações disruptivas costumam contradizer o pensamento corrente. Contudo, é bom alertar àquele que detém os recursos sobre a tentação da presunção. Em uma posição de poder e conforto é sabido que o ser humano tende a desvalorizar o novo, o diferente e o desconcertante (CARDOSO, 2021a).

O papel da comunicação interna na assimilação da inovação aberta

O temor dos executivos alta liderança de verem as suas empresas ficarem para trás devido ao acelerado processo de obsolescência verificado em segmentos tradicionais, conduz ao ponto que desejamos abordar ao final deste breve ensaio. Sob esta perspectiva, ao menos uma questão paira sobre a cabeça daqueles responsáveis pela comunicação interna: como conduzir líderes e liderados à adoção de práticas diárias da inovação?

Não é suficiente que os integrantes de uma organização estejam a par das novas disrupções do mercado. A chave da questão é a mudança comportamental desses indivíduos para que, de modo permanente, estejam atentos às oportunidades de melhorias, às interações com o ecossistema de inovação, à evolução tecnológica e às tendências dos investimentos; além de saberem mais sobre capital de risco, incorporarem atitudes e métodos ágeis, além de manterem a mente aberta ao novo, à diversidade, e às novas lógicas de funcionamento e de criação de valor.

Para os nossos propósitos, a palavra assimilação é mais adequada do que adoção. E transformação talvez seja um termo mais enfático do que a mera difusão da inovação. Afinal, a meta é estabelecer um ambiente interno altamente sensível às ameaças competitivas e capaz de identificar oportunidades, buscar parceiros inovadores e implementar melhorias continuar. Por isso, se trata mais de transformar mentalidades e promover a assimilação de novos hábitos cotidianos.

Aqui vale recordar a célebre frase de Napoleão Bonaparte: “existem duas alavancas que movem um homem, o medo e o interesse pessoal”. A experiência de líderes empresariais parece indicar de forma quase unânime de que é preciso criar sistemas de incentivos, apelando para o interesse pessoal quando o objetivo é modificar padrões comportamentais. Do contrário, tão somente pelo apelo à importância das transformações, ou pela coerção, a adesão não resulta satisfatória.

Outrossim, o comunicador interno deve participar do esforço pela assimilação da inovação desde o momento das formulações estratégicas da liderança. Não é recomendável que este profissional esteja alheio à concepção das iniciativas para somente depois que tudo já esteja definido, assuma a condução do aparato, digamos, mais operacional da comunicação. A bem da clareza, nos referimos aqui às rotinas convencionais reservadas aos comunicadores: a produção de conteúdo, a edição, formatação e diagramação e, por último, a veiculação. Esta rotina é bastante enriquecida quando dada a oportunidade ao profissional da comunicação de aportar a sua sensibilidade e contribuir com as suas observações desde os primeiros passos na formulação do programa de inovação aberta, além de acompanhar toda a história desde o nascedouro (CARDOSO, 2021b: 57-60).

Resta ao comunicador saber o que fazer. A experiência ensina que é sempre melhor começar pela visão panorâmica do desafio. A noção de conjunto ajuda a organizar a mente, estimar o tamanho da empreitada e facilitar o desenho do plano de ação. Segue uma visão geral do problema e algumas recomendações à guisa de conclusão.

  1. O ponto de partida para um efetivo programa de inovação é o engajamento da mais alta liderança executiva da organização, idealmente contando com o inteiro apoio do Conselho de Administração. Sem este protagonismo vital, talvez nem valha a pena concluir a leitura do nosso ensaio, que já se aproxima do final;
  2. Vale lembrar a importância da participação do responsável pela comunicação já desde o primeiro momento de concepção. Sobre o repertório necessário ao comunicador neste papel, sugere-se a leitura de A Comunicação no Comando (CARDOSO, 2021b);
  3. Em seguida, é recomendável a realização de um assessment da capacidade instalada e o grau de maturidade, incluindo o reconhecimento de práticas positivas e das deficiências em relação à cultura da inovação. As entrevistas de executivos-chave normalmente realizadas nesta etapa se tornam o momento ideal para a primeira apresentação dos princípios da inovação aberta;
  4. Uma vez realizado o assessment, chega o momento de estruturar um programa de inovação aberta contendo os requisitos empresariais, suas características e as teses adequadas às necessidades, capacidades e ambições da organização;
  5. Na fase seguinte recomenda-se o estabelecimento de indicadores de desempenho e parâmetros para avaliar progressos, além das metas desejadas. Este é um aspecto que não pode ser menosprezado. Sem métricas bem estabelecidas, capazes de indicar avanços na direção que se deseja (por exemplo, número de startups participantes ou o capital de risco investido), o passo seguinte torna-se inviável;
  6. Deve-se contar com a participação ativa das lideranças de RH (ou, departamento de Gente ou Pessoas, conforme abordagem em diferentes empresas), no estabelecimento de um programa de incentivos para a inovação. Em geral, os programas mais bem-sucedidos estabelecem metas tangíveis a serem alcançadas nos planos de ação de cada integrante da organização, especialmente na alta e média gerência;
  7. A comunicação interna é então acionada para o desenvolvimento e execução de ações orientadas à sensibilização e à mobilização visando, finalmente, a assimilação das novas práticas desejadas. Esse movimento inclui a criação de um road show para circulação interna, idealmente com a participação do CEO e de Conselheiros, apresentando a importância do programa de inovação aberta e do programa de incentivos para a sobrevivência, crescimento e capacidade competitiva do negócio;
  8. Ao contrário do se pode pensar, a alta direção executiva – presidente, vice-presidentes e diretores – adota com mais rapidez iniciativas dessa natureza, talvez porque estejam mais expostos às ameaças competitivas decorrentes da rápida evolução tecnológica. Por isso, recomendamos aos comunicadores atenção especial à sensibilização-e-mobilização da média gerência, esta quase sempre engolfada por suas tarefas diárias, e por isso menos disponível a abraçar novas jornadas. É provável que a conquista de defensores do programa de inovação nesta comunidade interna represente um ponto de virada para o sucesso da transformação cultural necessária;
  9. Algumas organizações estimulam funcionários a se tornarem eles próprios pequenos investidores de venture capital, tanto na modalidade crowdfunding, como eventuais investidores-anjo, como meio de aquisição de cultura e de mentalidade inovadora;
  10. É também preciso estimular a adoção de práticas próprias da cultura da inovação: são as metodologias ágeis, algumas ferramentas de modelagem, práticas de ideação, co-criação, prototipação, mentorias e outras;
  11. Programas de inovação aberta bem estruturados costumam lançar desafios para o ecossistema como forma de selecionar startups, além de demodays, hackathons e outras atividades características da cultura da inovação. Nessas atividades é muito importante estimular o máximo envolvimento da comunidade interna da empresa;
  12. Por fim, deve-se proporcionar acesso dos líderes da organização ao ecossistema de inovação de modo a promover o contato com as suas lógicas e ambientes. São comuns as visitas aos hubs físicos, a realização de reuniões de planejamento com executivos-líderes e média gerência em coworkings ou instalações de hubs de inovação, além do contato direto com investidores de venture capital, o acesso a notícias do ecossistema de inovação, tanto nacionais quanto internacionais etc.

A comunicação tem uma missão muito nobre em programas de inovação aberta, não limitada ao trabalho de posicionamento estratégico perante o ecossistema e outros públicos de interesse. Ela também desempenha um papel de alta relevância nos processos de transformação da cultura organizacional. De forma especial, na implementação de uma mentalidade favorável à inovação.

Entendemos que esse desafio é acima de tudo uma grande oportunidade, talvez uma das mais ricas experiências profissionais da atualidade e, certamente, um marco na carreira de todos aqueles engajados no desenvolvimento das capacidades competitivas de empresas determinadas a prosseguir criando e entregando valor para os seus clientes.

CARDOSO, Claudio (2021a). Dentro da Cabeça do Investidor de Risco. Disponível em https://alfacollab.com.br/dentro-da-cabeca-do-investidor-de-venture-capital/. Acessado em 18.nov.2021.

CARDOSO, Claudio (2021b). A Comunicação no Comando. São Paulo: Aberje.

CHESBROUGH, Henry (2011). Inovação Aberta: como criar e lucrar com tecnologia. São Paulo: Bookman.

CHRISTENSEN, Clayton (2011). O Dilema da Inovação. São Paulo: M Books.

MCGRAW, Thomas (2012). O Profeta da Inovação. Rio de Janeiro: Record.

O’REILLY III, Charles e TUSHMAN, Michael (2004). The Ambidextrous Organization. Cambridge: Harvard Business Review, April 2004.

O’REILLY III, Charles e TUSHMAN, Michael (2021). Lead and Disrupt: How to Solve the Innovator’s Dilemma. Stanford: Stanford Business Books, 2nd edition.

ROGERS, Everett. (1962). Diffusion of Innovations. The Free Press, New York, NY.

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