Francisco Perez e Claudio Cardoso | Maio 2023
Gerenciar e mitigar riscos da inovação aberta são atividades críticas para o sucesso dos programas de Corporate Venture Capital
No inglês, diz-se nothing ventured, nothing gained. Em português temos o quem não arrisca, não petisca. Não importa em qual língua, todos sabemos que não há ganhos significativos sem riscos mais elevados. O desafio empresarial é o de criar modelos eficientes de gestão de riscos para prosseguir inovando, sempre em busca da liderança do mercado.
Curiosamente, gestão de riscos não tem merecido destaque em programas de inovação. Nem no Brasil, nem no exterior. Ao contrário do esperado, uma vez que estamos tratando precisamente de Venture Capital. Afinal, trata-se justamente disso, de um campo de atuação com maior risco e – essa é a aposta – de maior ganho. A bem da precisão, a ambição aqui não é apenas ganhar mais, mas também obter diferenciais competitivos relevantes, quando não disruptar uma indústria inteira.
Voltando no tempo, as grandes navegações dos séculos XVI e XVII representam uma época em que as expectativas de recompensas financeiras eram muito altas. Por este motivo, reinados, comerciantes e a própria igreja católica financiaram várias das expedições que mudaram o curso da história e o mapa mundial, mesmo com riscos elevados. Calcula-se que entre 10% e 20% dos barcos não retornaram. Algumas expedições tiveram taxas de perda ainda mais elevadas.
Por exemplo, a expedição de Vasco da Gama para a Índia em 1497-1499 perdeu quatro das suas treze embarcações, enquanto a expedição de Magalhães, que pela primeira vez circunavegou o globo entre 1519 e 1522, perdeu quatro dos cinco navios que zarparam. Dentre os marinheiros a situação foi ainda mais séria, pois estima-se que metade deles morreram pelo caminho por conta de doenças, acidentes e conflitos. Não vieram sem propósito os tocantes versos de Fernando Pessoa: “ó mar salgado, quanto do teu sal são lágrimas de Portugal”.
Séculos depois Joseph Schumpeter, autor matriz de praticamente toda a teoria da inovação moderna, abordaria a questão dos riscos da inovação em várias de suas obras, especialmente em duas delas. Em “A Teoria do Desenvolvimento Econômico” (1911), o criador da noção de destruição criativa, que se refere ao processo pelo qual a inovação destrói as antigas formas de produção e cria novas oportunidades para o desenvolvimento econômico, afirma que a inovação é a principal força motriz do desenvolvimento econômico, mas traz consigo riscos e incertezas.
Anos mais tarde, já em “Capitalismo, Socialismo e Democracia” (1942), Schumpeter expande a sua teoria e discute como a inovação pode levar a mudanças políticas e sociais. O autor enfatiza que a gestão de riscos da inovação é crucial para o sucesso dos empreendimentos e defende que esses devem ser capazes de absorver perdas além de lidar com o fracasso sem desistir daquilo que mais importa, a própria inovação.
Aqueles empenhados em formular, desenvolver e implementar programas de Corporate Venture Capital ou operar fundos de Venture Capital devem dar atenção especial à questão dos riscos. Para os mais atentos à história e aos acontecimentos mais recentes do mundo financeiro, a recomendação é trazer a gestão de riscos para o centro das atividades de inovação.
As raras iniciativas que já atingiram graus mais avançados de maturidade na gestão de riscos da inovação – Microsoft Ventures e Intel Capital, dentre outras – compreendem jornadas contínuas e não apenas processos executados em alguns pontos de controle. Esses programas compreendem jornadas, como mencionado, e pressupõem a consolidação de uma cultura de riscos assimilada por todos os integrantes de suas equipes.
Indo além das tradicionais Due Diligencies e dos procedimentos de Compliance aplicados logo no início dos relacionamentos com startups, o desenho ideal inclui aproximações sucessivas e o aprofundamento da análise das garantias. Acontece que no mundo da inovação as garantias provêm mais das pessoas e do modelo de atuação do que dos seus bens patrimoniais. Neste ponto, merece atenção especial os riscos de imagem pela associação da marca da corporação aos empreendedores parceiros. Desde as provas de conceito, passando por testes piloto e alcançando laços mais sólidos entre fundadores e a corporação patrocinadora, prosseguindo até o lançamento de produtos em parceria e chegando às aquisições, todo esse caminho deve ser pavimentado pelo escrutínio atento e cuidadoso de uma mentalidade de risco. Inovação e gestão de riscos, par inseparável.