Claudio Cardoso | Alfa Collab | Jan 2022
Uma velha piada me vem à mente quando penso na busca de equilíbrio das marcas quando querem chamar a atenção dos consumidores e, ao mesmo tempo, não serem invasivas. Um comissário de bordo com pretensões didáticas, supondo que os passageiros não dominavam os avisos em inglês, no momento da partida esclareceu o seguinte: “onde vocês virem pull, não pulem, puxem. Onde vocês leem push, não puxem, empurrem. E onde estiver escrito, exit, não hesitem, pulem!”
Piadas a parte, esse é um tema antigo, aparentemente até superado. Mas volta com força e se torna cada vem mais sério em tempos de mobile marketing, mídia programática, inteligência artificial, crises de imagem devastadoras e o consequente acirramento da disputa por clientes. Agora a comunicação acontece enquanto o indivíduo dirige seu carro, anda na rua, em tempo real. Não é à toa que a questão da atenção do cliente é motivo de reflexão profunda pela comunicação há várias décadas, tanto a publicitária quanto a jornalística. Neste momento, volta ao topo da lista das preocupações de comunicadores e empresas.
Se há alguma solução para o desafio, certamente ‘tempo e atenção’ serão sempre as variáveis decisivas na equação. Neste caso, na verdade, são praticamente a mesma coisa. Chamar a atenção de alguém é sinônimo de obter consentimento para consumir seu tempo. Tempo mental e, por sorte, tempo afetivo. É tudo o que se deseja numa relação de oferta de produtos e serviços a clientes potenciais. Obter entendimento e preferência.
Somam-se a essa equação os vetores push e pull. Ou seja, a oferta vai até o prospect ou o prospect vai à oferta. Curiosamente, o suporte da comunicação modifica a dinâmica, de forma histórica. Televisão e rádio, invadem. Jornais e revistas, esperam pelo leitor. Imaginem agora a São Paulo de outrora, cheia de outdoors a cada esquina. Ou, simplesmente, dirija em qualquer outra cidade do país onde eles não foram proibidos. À medida em que o carro avança – se você mora em São Paulo, como eu, terá certa dificuldade em imaginar que carros avançam 😉 – os outdoors desfilam para o seu olhar. Esta é uma típica comunicação push. Porém, das melhores. É praticamente impossível evitar este tipo de anúncio, desde que bem-feito, é claro (lembro de outdoors dos anos 1980, com toda a programação de um congresso em letras miudinhas, impossíveis de serem lidas sem causar um acidente de trânsito).
A comunicação push invade. Ela não pede licença: é o comercial dos intervalos na TV convencional ou do Youtube para os não-assinates. São os cartazes, os anúncios pelas paredes, os banners dos websites, os flyers distribuídos nas calçadas. Milhares de marcas, em todos os cantos. Já a comunicação pull pressupõe o movimento do consumidor em direção à informação.
Claro que em todos os exemplos citados acima, os vetores se movimentam, mas o tipo pull implica em algo “menos natural”. Por exemplo, para usar um app no celular é preciso, deliberadamente, baixá-lo e depois ativá-lo. Ou, para navegar numa loja pela internet é preciso acessá-la pelo navegador. Logo vemos que as diferenças são sutis, mas a percepção do cliente é nítida: em um tipo, há a sensação de doação voluntária de tempo, em outro, esta sensação não é tão evidente. Ou pior: percebe-se o contrário. Sentimo-nos invadidos. Em algumas vezes até, desrespeitados. O outdoor já estava ali e simplesmente passa. Não se percebe uma invasão. Evidentemente o outdoor invade o espaço urbano, polui o campo visual; mas não percebemos esta invasão quando estamos em um espaço socialmente autorizado, e na correria do dia-a-dia. Já uma venda do telemarketing invade a nossa casa. A comunicação push nos consome tempo involuntário. Já a pull, é consentida.
As novas dinâmicas de anúncios programáticos por meio de celulares trazem à tona o velho desafio do equilíbrio entre agradar o prospect com informações adequadas na hora certa, e o risco de parecer invasivo. Anúncios nos apps de navegação urbana (por exemplo, os líderes Waze e Google Maps) estão na nova onda dos programáticos: eles avisam para reduzir a velocidade antes das escolas pelo caminho em troca da nossa atenção para do seguro patrocinador; notificam supermercados adiante porque há poucos dias foi o destino do usuário naquele mesmo horário; e um dia desses já vão nos avisar do posto de gasolina mais próximo porque o IoT do carro avisou que o tanque está ficando vazio.
Apesar das tecnologias de big data e machine learning envolvidas, ainda sendo assimiladas por anunciantes e profissionais da comunicação, o dilema entre ser adequado ou ser invasivo permanece, e somente a sensibilidade do comunicador – em parceria com o anunciante – servirá de prevenção aos erros tão comuns, quase sempre cometidos pelos mais ávidos e gananciosos.
O consumidor anda cansado de ser interrompido para dar ouvidos a “ofertas” que em nada ajudam, roubam tempo e atenção, sem qualquer benefício. Aos comunicadores, não basta compreender as vantagens das novas tecnologias. Elas trazem a promessa de maior precisão na entrega dos anúncios, para a pessoa certa, na hora certa.
Enquanto essa mágica não atingir a perfeição (se é que algum dia chegará perto disso) ainda é preciso manter bom senso, bom gosto, e outros princípios valiosos que nos relembram do antigo cuidado com a privacidade e o conforto do cliente. O momento pede um mergulho no mundo dos dados, o investimento em novos aprendizados, mas não se pode abandonar o equilíbrio entre pull e push.
Somente os desavisados, que apostam em máquinas telefonando para a casa das pessoas é que se sentem no direito de seguir as sugestões do comissário da piada, e acabam pulando fora dessas questões antes da hora.