Claudio Cardoso | Alfa Collab | abril 2021 | 7 min de leitura
Startups que valorizam a atuação em ecossistemas colaborativos podem ser mais promissoras
A imagem do professor Pardal trabalhando em seu laboratório permanece em algum lugar da memória, talvez até para aqueles que nunca leram as antigas revistas em quadrinhos da Disney. Parece ser uma daquelas imagens icônicas, a do gênio solitário.
Aliás, o professor Pardal sempre agiu com a melhor das intenções. Ele é uma das mais perfeitas caricaturas do cientista excêntrico e mal compreendido, porém super engenhoso e capaz das mais brilhantes soluções para fazer o bem. Embora com alguns episódios desastrosos pelo caminho.
Apesar da lembrança afetiva desse querido personagem do passado, poucos poderiam representar algo mais anacrônico para quem quer levar a sério os investimentos em startups. A palavra de ordem para os novos empreendedores é colaboração.
Como trabalham os verdadeiros inovadores
Virou lugar comum falar de colaboração, cooperação, união de esforços, trabalho em equipe e temas afins. Contudo, nem sempre a predisposição para atuar em conjunto é algo tão praticado. A capacidade de mobilização de ecossistemas em torno das iniciativas ainda não foi integralmente assimilada como critério de avaliação da saúde das novas empresas. Permanece a tradicional análise do negócio de forma isolada.
O fato é que, ao contrário do inventor solitário, hoje sabemos que as grandes transformações resultaram de longas jornadas colaborativas. Personagens que inspiram o mundo da inovação, de Ada Lovelace, filha do Lord Byron e autora do primeiro algoritmo para ser processado por uma máquina, em 1842, passando por Alan Turing, Vannevar Bush, John von Neumann, Robert Noyce, Bill Gates, Steve Wozniak, Steve Jobs, Tim Berners-Lee ou Larry Page, têm em comum a capacidade de colaborar e dominar a arte do trabalho em equipe. Acima de tudo, todos foram obcecados por resolver problemas relevantes.
Seguindo a trilha história, percebemos que os empreendimentos mais valiosos não foram aqueles que resolveram isoladamente um problema, mas os que participaram de clusters espontaneamente organizados em torno de desafios comuns, e que solucionaram elos de grande valor em uma cadeia de equações.
Afinal, esse sempre foi um jogo de múltiplos participantes e de ganhos distribuídos. Apesar de um ou outro abocanhar parcelas financeiras mais significativas e ganhar fama, vários outros atores participaram de forma decisiva na construção das grandes inovações, sendo premiados em maior ou menor medida por suas contribuições.
O contrário disso pode ser ilustrado pelo melancólico caso do brilhante cientista John Atanasoff, um dos pioneiros no desenvolvimento de computadores nos anos 1930. Merece destaque a sua criação de um dos primeiros modelos de memória eletrônica. Ao invés de encabeçar a lista daqueles que integraram equipes revolucionárias, acabou tendo os seus inventos abandonados em um porão da Universidade de Iowa. E apenas merecendo citações esporádicas, quase inteiramente esquecido pela história da computação.
Ironicamente, Atanasoff foi visitado com grande interesse por ninguém menos que John Mauchly, um dos futuros líderes do projeto ENIAC, – o primeiro computador eletrônico digital de larga escala – um homem reconhecido por seu espírito gregário, notável pela montagem de times vencedores.
Desta visita, ao invés de uma parceria vitoriosa, resultou uma amarga desconfiança de Atanasoff sobre as reais intenções de Mauchly. Apesar de posteriormente consultado por carta sobre o seu eventual interesse em participar de projetos mais arrojados, que envolviam outros cientistas e engenheiros, ele preferiu proteger seus inventos, os quais julgava indispensáveis e exclusivos.
Clusters formados em torno de problemas
Um cluster pode ser definido como um grupo pequeno, e consistente pela semelhança, tanto de empresas, como de objetos. Usualmente, a palavra é utilizada para descrever arranjos industriais, ou para designar grupos de dados na computação. É também usada pela turma da inovação, para agrupar startups que atuam em uma mesma indústria. Por exemplo, no agronegócio, tem-se o cluster das AgroTechs; na saúde, as HealthTechs; no setor financeiro, as FinTechs. E assim por diante.
Em geral, programas de inovação se concentram em alguns clusters para organizar a sua atuação, atendendo aos interesses dos patrocinadores e tornando viável a seleção das startups. Do contrário, seria praticamente impossível avaliar todas as áreas de atuação. É melhor manter o foco para atrair apenas aquelas que agregam maiores benefícios aos programas.
Conta muito na aprovação das startups em programas de alto padrão o estágio de maturidade empresarial, especialmente, o ritmo de crescimento do negócio. Adicionalmente, conta também o potencial de mercado, o nível de compromisso e a qualidade da equipe, e mais uma série de outros atributos que incluem o histórico de investimentos recebidos e os chamados soft skills dos fundadores.
Curiosamente, ainda parecem raros os programas que incluem em suas avaliações a posição de liderança na mobilização de outros empreendimentos, maiores ou menores, em torno do problema que está sendo atacado. Nesta abordagem, a capacidade de articulação do ecossistema e o grau de interesse do mercado sobre o desafio em pauta adicionam ingredientes diferenciais.
Tomando a palavra emprestada, acreditamos que cluster seja a mais adequada para descrever essa abordagem. Mas de um tipo diferente de organização. Aqui, a palavra não se refere a um setor da indústria, mas à conexão com o problema que precisa ser resolvido. É mais valiosa, por exemplo, uma startup de crédito para o setor agropecuário que opera em parceria com outras startups, essas especializadas em API, algoritmos de cálculos ou geoprocessamento. Neste caso, a própria startup líder atua em um segmento misto entre Agrotech e FinTech.
Clusters formados por startups em torno de um problema aceleram o go-to-market e fortalecem a cadeia de participantes pela interdependência dos seus negócios que, por sua vez, alimenta um ciclo virtuoso de novos desafios e novas soluções.
A valorização deste tipo de clustering (agrupamento) presta contas à própria história da inovação e reforça a crença de que a colaboração é o caminho mais seguro para a construção de negócios promissores e resilientes. Onde todos ganham, cria-se uma força de grupo.
Uma boa ilustração é a startup E-ctare, especializada em antecipação de recebíveis para a cadeia do agronegócio. Autodenominada como uma AgroFintech, a iniciativa tem entre os seus principais desafios a avaliação da saúde financeira do cliente. Não apenas no momento da aprovação do crédito, mas em todo o ciclo do contrato. Coerente com a sua fundamentação tecnológica, a startup saiu em busca de parceiros capazes de fornecer análises consistentes em tempo real, para consultas a qualquer momento. O caso torna evidente a abordagem de cluster reunido em torno de um problema.
Atualmente a E-ctare conta com os robôs de monitoramento permanente, além de algoritmos para interpretação dos dados financeiros de clientes, tanto pessoas físicas quanto jurídicas, entregues pela startup parceira Direct Data. Ao mesmo tempo, avalia parcerias com startups como a TerraMagna e a Agronow, que, em tempo real por meio de satélites, monitoram e avaliam o desenvolvimento das operações dos clientes no campo. Afinal, nada mais concreto do que a informação de como andam as safras para estimativas extremamente precisas e atualizadas sobre os riscos dos valores concedidos.
Clusters formados por empreendimentos que se reúnem em torno de um problema seguem a trilha aberta no passado por inventores e empreendedores que transformaram as suas ideias visionárias em realidades disruptivas.