Claudio Cardoso | Alfa Collab | agosto 2021
O líder serve a uma causa maior: mobiliza e encoraja os seus liderados rumo à inovação
Bem no início dos anos 1970, Robert Greenleaf dedicou grande energia à publicação de uma série de artigos que sedimentaram princípios balizadores para o movimento moderno da liderança servidora. Esses princípios foram reunidos em um livro de 1977 que rapidamente se tornou um verdadeiro clássico, Servant Leadership: a Journey into the Nature of Legitimate Power.
A liderança servidora é uma doutrina que inverte a lógica de poder do líder tradicional, aquele que antes ocupava o topo da organização para, do alto, comandar equipes executoras. Ao contrário deste antigo modelo, o líder servidor coloca em primeiro lugar as necessidades dos demais integrantes de seu grupo de trabalho e se empenha em oferecer ajuda para as pessoas desenvolverem e desempenharem as suas funções. Ao invés dessas pessoas trabalharem para atender às exigências do líder, é ele quem se dedica a servir aos outros.
Embora Greenleaf tenha atualizado a questão de maneira praticamente definitiva, na verdade a liderança por meio do serviço é uma filosofia ancestral. Há passagens relacionadas à essa abordagem no Tao Te Ching, escritas chinesas muito antigas, atribuídas a Lao-Tsé, que se acredita ter vivido entre 570 AC e 490 AC [1]:
O melhor tipo de governante é aquele cuja existência passa quase despercebida. Em seguida, é aquele governante amado e elogiado. Depois, é aquele que é temido. Por último, aquele que é desprezado e desafiado.
O fato é que, quando líderes adotam o paradigma de servir primeiro, são compulsoriamente conduzidos ao encontro dos mais profundos propósitos que regem a organização. Esse é um caminho natural: quando uma pessoa em posição de liderança assimila e internaliza a atitude de servir, automaticamente abraça um motivo maior que ela mesma. Na verdade, também maior que todos os demais. Talvez por isso os capitães afundem com os seus navios. Os barcos são o verdadeiro propósito, o meio de transporte e a garantia da sobrevivência, por isso estão acima de todos, especialmente dos capitães, aqueles últimos a sair antes de um naufrágio.
O legado deixado pelos grandes pensadores da liderança continua inspirando pessoas e organizações engajadas nos movimentos da transformação digital e da inovação. Nesses novos cenários, a capacidade de orquestrar diversos atores congregados em torno de problemas reais é um requisito diferencial para líderes em busca de inovações.
Dinâmica de liderança nos ecossistemas de inovação
Não se compra inovação. Dada a complexidade do mundo atual, a inovação resulta da orquestração de diversos atores. Por sua vez, esses precisam ser liderados com sabedoria, e com forte alinhamento à cultura das organizações envolvidas e suas estratégias empresariais. Nesta jornada, o líder precisa demonstrar resiliência e visão de longo prazo, de forma a manter o rumo e o ritmo do movimento em direção à realização. Afinal, nada de grande valor será criado isoladamente.
Em um momento preliminar, a liderança de ecossistemas de inovação passa pelo incentivo à colaboração de todos os atores, um movimento de abertura que inclui corporações, startups, agências de fomento, universidades e outras entidades. Essa fase é muito importante, uma etapa que se caracteriza pelo debate e intercâmbio entre os campos da ciência, do mercado e de todos os demais envolvidos. É quando são gestadas as grandes disrupções.
Na primeira fase, de abertura, o líder deve incentivar o envolvimento de todos. Ele deve inspirar as pessoas através do seu próprio engajamento, abraçar com entusiasmo as experimentações, erros e acertos, além de despojar-se das barreiras provocadas pela hierarquia corporativa. Assim que essa etapa de engajamento se consolida como um processo recorrente, o líder deve incentivar a convergência das iniciativas empresariais mais promissoras.
Na segunda fase, de convergência, o líder vai desempenhar um novo papel de articulação dos envolvidos, com ênfase no incentivo para que os novos conhecimentos e as diferentes culturas se integrem em ecossistemas digitais. Aqui surgem as verdadeiras oportunidades de criação de valor para o mercado e, consequentemente, para a organização que lidera todo o movimento.
No cenário atual de intensa transformação digital o líder cumpre a sua função servidora ao mobilizar organizações e startups nesses dois movimentos, de abertura e convergência. O primeiro movimento, de construção de ecossistemas digitais, quando ele inspira o espírito de colaboração em torno de desafios reais. O segundo, de condução para a execução e a realização, quando essas mesmas organizações e startups conseguem extrair valor dos negócios que emergem da colaboração.