Ana Luisa Monteiro, Carolina Morandini e Leonardo Ritschel
Uma visão do Corporate Venture Capital pela perspectiva dos CVCs
Existem diversos formatos e modelos para uma empresa implementar estratégias de inovação, mas as iniciativas de Corporate Venture Capital (CVC) vêm ganhando bastante destaque nos últimos anos e têm se tornado cada vez mais comuns, principalmente em mercados mais tradicionais.
Esse movimento teve início no começo da década de 1960, segundo Marcelo Nakagawa, quando foram criados programas de CVC em 25% das Fortune 500. No entanto, grande parte dessas iniciativas foram rapidamente desfeitas por causa da incerteza desse segmento e, depois de alguns altos e baixos, o mercado viu uma retomada nos anos 2000. Mas a pesquisa feita pela Global Corporate Venturing (2020) mostra o grande salto dado recentemente: 74% dos CVCs foram criados entre 2010 e 2019.
Há inúmeros motivos pelos quais as iniciativas de CVC se tornaram atrativas nos últimos anos, mas segundo a pesquisa Unlocking Venture Capital, da 500 startups, 80% dos CVCs foram estruturados em corporações que acreditam que suas indústrias estão passando por grandes transformações. Além disso, a participação de grandes empresas ao longo do ciclo de financiamento de diversos unicórnios também ganhou bastante destaque na mídia e trouxe ainda mais notoriedade ao segmento de investimentos de risco feitos através de corporações.
Em 2019 o mercado de investimentos via CVC bateu recordes, chegando a mais de US$ 57 bilhões em valor investido nos mais de 3.200 deals. Partindo de 380 investidores corporativos em 2011, esse número chegou próximo aos 2000 no ano de 2019, segundo a pesquisa do Global Corporate Venturing.
Fonte: Global Corporate Venturing
Fonte: Global Corporate Venturing
No Brasil, esse movimento é ainda mais recente. Existem cerca de 55 fundos de CVC, dos quais 62% atuam há menos de 2 anos, segundo levantamento da ACE e da Fisher Venture Builder, mas os valores aportados em rodadas que tiveram participação de CVCs já ultrapassam US$ 150 milhões, segundo dados do Distrito.
Com a necessidade de cumprir uma agenda estratégica para acompanhar as inovações e mudanças tecnológicas, possibilitando também uma diversificação que protege o negócio no longo prazo, o CVC se mostrou uma oportunidade para endereçar esses desafios e também trazer retorno financeiro.
A proximidade ao ecossistema de empreendedorismo e inovação permite à empresa uma exposição às tendências de negócio e tecnologia. Da mesma forma, as startups também se beneficiam ao se aproximarem de empresas sólidas e que podem alavancar seus negócios, não somente por meio do acesso a capital, mas também aproveitando potenciais sinergias.
No Brasil, o setor no qual há uma maior atuação dos CVCs é o de Fintechs, seguido por AdTechs e HealthTechs. Os três segmentos juntos representam mais de 45% dos investimentos realizados em startups, segundo dados do Distrito. Quando comparamos com o panorama global, o setor de TI lidera em número de investimentos, seguido por Healtechs e em terceiro lugar estão as Fintechs, segundo dados do Pitchbook e do Global Corporate Venturing.
Cada vez mais, no ambiente corporativo — em especial, a alta gerência — entende-se a necessidade de modernização. Se seus acionistas não forem os principais agentes catalisadores de esforços à inovação, a competição será. Existem diversos fatores pelos quais a inovação, neste contexto e, na maioria dos casos, sinônima de transformação digital, é benéfica à companhia:
- Melhoria de processos a fins de incrementar produtividade e eficiência;
- Agregar valor aos negócios atuais, criando características de diferenciação;
- Aumentar a rentabilidade dos modelos de negócio
- Desenvolvimento de novas linhas de serviços ou produtos; ou
- Pura e simplesmente redução de custos.
Partindo da premissa que as corporações que implementam operações de CVC têm como objetivo principal a modernização, geralmente, três novas frentes são abertas: gestão de projetos de open innovation, investimentos em startups e criação de comunidade. Essas atividades tradicionalmente se emaranham em alguns poucos colaboradores a quem é dada a “simples” missão de inovar. Mais recentemente, no entanto, os organogramas dessas equipes mostram o entendimento de que as atividades distintas requerem competências distintas, a exemplo do Alfa Collab, CVC do Conglomerado Alfa.
1)Gestão de projetos de open innovation
Talvez a função mais importante de um CVC é fazer a interlocução entre as startups (geralmente, com os founders ou C-level’s) e os principais stakeholders em cada área de negócio. Sem eles, os projetos não vão para frente, independentemente da quantidade de startups que foram trazidas. Além de, muitas vezes, servirem como um Project Management Officer (PMO), a vocação tecnológica é fundamental para articular com a equipe interna de tecnologia da empresa.
Segundo Leonardo Ritschel esse cargo usualmente é atribuído àqueles que, há tempos, servem como embaixadores da inovação. São pessoas que já entendiam a importância dessa atividade antes de um orçamento ser aprovado para tal e um programa constituído. São, também, conhecedores natos das atividades que a corporação desempenha e das áreas e pessoas que a compõem; portanto, a contratação externa para preenchimento desta posição não é tão comum.
Processualmente, a lógica é clara: surge uma dor pontual de uma determinada área de negócio, busca-se no mercado startups que possam atender essa dor e iniciam-se negociações de uma prova de conceito (POC) que antecede o rollout da solução na empresa. Assim sendo, é esperado que este colaborador transite bem nos mundos de empreendedorismo e inovação, mas que tenha foco nos processos internos e administre bem o backlog das equipes de desenvolvimento.
2) Investimento em startups
Nesta frente, os times bastante se assemelham com os de gestoras de Fundos de Investimento em Participação (os VC’s tradicionais). Existem os analistas e estagiários, encarregados de preparar materiais e fazer a máquina de análises fluir, os associates ou heads, responsáveis pelas negociações de investimento, elaboração de teses de investimento e validação de apresentações internas, e os diretores, quem assina embaixo. Disclaimer: as nomenclaturas dos cargos variam de corporação para corporação, o exemplo busca apenas materializar as responsabilidades de cada nível hierárquico.
Investir nas startups pode e deve ser uma peça fundamental da estratégia da maior parte dos CVC’s, uma vez que relações societárias geralmente preveem algum nível de controle sobre a empresa. Esse controle se dá na forma de governança corporativa, exclusividade, preferência ou opções futuras de aquisição, mesmo que o investimento inicial confira participação acionária minoritária. E, para essas empresas, uma nova tecnologia ou linha de negócio pode significar a diferença entre ganhar ou perder da competição.
Vale adicionar, para referência, que a maior parte dos fellows do EVCF se enquadram, parcial ou totalmente, neste escopo de atividades desempenhadas.
3) Criação de comunidade
A posição de criação de comunidade tem vários nomes e caras. Independente do formato, o propósito é único: gerar valor a todos envolvidos. Quando se fala de “todos envolvidos”, não está restrito a startup e corporação, e sim a quaisquer entes correlacionados, ainda que indiretamente, às cadeias de valor geradas por estes dois. Os stakeholders corporativos podem ver benefícios imensos em eventos, palestras e workshops, debatendo temas específicos de setores ou de startups.
Para as startups, similarmente, o trabalho desta posição pode significar a diferença entre escolher o Corporate Venture A ou o B. Um exemplo claro de atividade atrativa são os demodays, que ajudam os empreendedores a exporem suas soluções a potenciais clientes; afinal, como diz a máxima no ecossistema, “dinheiro de investidor é legal, mas dinheiro de cliente é mais legal”.
A missão idealizada de um analista de comunidade é trazer o senso de pertencimento às startups do portfólio. Muitas vezes, isso implica a criação de “sub-comunidades”, como o InovaBra muito bem praticava, de mulheres, negros e nordestinos. Por esse motivo, uma bandeira clara deste profissional é a de inclusão e diversidade.
A busca por investimento é um momento muito importante para a startup e requer bastante pesquisa sobre os players disponíveis no mercado, o que oferecem e como será essa relação. Saber o porquê da busca por investimento, onde esse dinheiro será alocado e possíveis retornos a investidores são fatores essenciais para encontrar interessados em entrar no negócio.
Antes de entender as vantagens em se relacionar com um Corporate Venture Capital (CVC) é preciso ter em mente que ao receber investimento, seja de um Venture Capital (VC) ou de um CVC, sua startup ganhará um novo sócio que quer retorno sobre o investimento lá na frente. O retorno geralmente acontece em forma de Exit, ou seja, a saída do investidor da empresa por meio da venda de suas ações a um valor muitas vezes maior do que entrou.
Tendo isso em mente, a primeira dica é pesquisar bem quem será esse investidor, pois você ganhará um novo sócio, que cobrará crescimento, negócios, escala e ganhos, mas que em contrapartida te ajudará a abrir portas, chegar em novos clientes e a enfrentar dificuldades que venha a ter. Por isso, a pesquisa é muito importante e focar no smart money (atração de investidores que ajudarão seu negócio) pode ser o fator crucial de crescimento.
Como mencionado acima, são inúmeros os CVCs que existem no Brasil, seus objetivos e interesses. Entender como funcionam, o que buscam nesse relacionamento com as startups, o que solicitam da startup (informações, participação no board, cláusulas jurídicas, etc.) e o que dão em troca (as tais vantagens que vamos tratar abaixo) são fatores que ajudarão os sócios na decisão por um ou outro CVC. Cada corporação tem seus objetivos para trabalhar com startups — seja financeiro como retorno de investimento, futuro M&A (fusão e aquisição) ou estratégico como geração de negócios (novas receitas ou redução de custos), acesso a oportunidades, ameaças, recursos humanos, entre outros. E saber quais são esses objetivos facilitará a decisão de qual CVC se relacionar.
Dito isso, vamos às vantagens de escolher um CVC para entrar no quadro acionário da sua empresa. CVC, como explicado, é o investimento em startups em troca de participação (geralmente minoritária) da empresa, diferente de Corporate Venturing que pode ter diferentes formatos, como programas de aceleração e outros tipos de relacionamento com startups, que não envolvem necessariamente o investimento e equity.
Aproximar-se de um CVC é importante pelo dinheiro, mas principalmente pelo que essa empresa pode significar em termos de ajuda — ou seja, as vantagens que podem trazer ao seu negócio. E aqui temos muitas vantagens quando bem exploradas:
- Investimento financeiro — recebimento de dinheiro para ações de crescimento da empresa em troca de participação acionária. No Brasil é bastante comum o instrumento de Dívida ou Mútuo Conversível, mas é possível que CVCs entrem diretamente na empresa, passando a ter equity do negócio.
- Intermediação: acesso às áreas de negócios da corporação. Os CVCs ajudam a intermediar as conversas entre startups e áreas de negócios, facilitando reuniões, acesso a gestores e diretores, mapeiam oportunidades que ajudam a startup a focar seu discurso de vendas e minimizam a aversão ao risco que gestores possam ter em fazer negócios com startups.
- Fast track na assinatura de contratos (facilitação e suavização de burocracia) — homologação rápida na corporação, redução dos documentos que precisam ser enviados para participar de concorrências e prazos de pagamentos mais curtos.
- Possível acesso a tecnologias e plataformas das corporações. Algumas empresas fornecem suas plataformas tecnológicas para testes e como benefícios.
- Novos canais comerciais — a empresa pode servir como um novo canal de vendas para a startup, que se beneficiará de uma estrutura maior para gerar novas receitas.
- Conexão com players de mercado — apresentação da startup a outras grandes corporações, VCs e players de interesse.
- Acesso a eventos — participação em eventos internos da corporação ou eventos em que a corporação esteja expondo, como parceiro.
- Credibilidade de mercado — estar vinculado a um CVC ajuda startups a acessarem outros grandes players.
- Branding — a força da marca das corporações ajuda a dar maior visibilidade à marca da startup.
Pontos de atenção e análise:
- Exclusividade sobre o negócio, produto, segmento — normalmente os CVCs não solicitam nenhum tipo de exclusividade, por isso é importante entender se algum deles for solicitado e qual o motivo.
- Participação acionária agressiva ou majoritária — por ter um foco também estratégico, além do financeiro, o CVC geralmente tem participação minoritária. Caso queiram maior participação, é importante entender o motivo.
- Poder de veto ou voto — isso dependerá do que foi negociado em contrato, porém deverá ser analisado para não frear a rapidez que as startups têm no mercado.
Como exemplo, a Wayra, Corporate Venture Capital da Vivo no Brasil e Telefônica no mundo, é uma das iniciativas corporativas pioneiras no Brasil, investe em startups que tenham potencial de fazer negócios com a corporação, mas que sejam altamente escaláveis. A Wayra investe até R$ 1M em troca de participação acionária minoritária, além de fast track com a Vivo e acesso às áreas de negócios internas da empresa (que podem se tornar um canal de vendas da startup), bem como a outras corporações do mercado, a VCs e outros CVCs para novas rodadas de investimento, consultorias para sanar eventuais dores das startups, acesso a eventos e outros benefícios.
Tanto as vantagens como os pontos de análise não são necessariamente parte de todos os CVCs, pois não há uma regra, padrão ou obrigação no mercado. Isso quer dizer que alguns CVCs podem oferecer algo que outros não ou que possam pedir algum ponto que outros não peçam. Por isso a importância em pesquisar e entender quem é o sócio que fará mais sentido para seu negócio. Assim como um VC, ter um CVC no cap table pode ser altamente vantajoso, só depende de como tudo foi acordado.
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